segunda-feira, julho 31, 2006

Quero sonhar



Quero sonhar
Quero fechar os olhos e sonhar
E nunca mais acordar
Sonhar e viajar nos lugares mais recônditos da minha mente
Outrar-me
Ser outras vidas noutros lugares
Quero ter poderes como os super-heróis
Quero dar a volta ao mundo e provar os seus sabores
Quero encontrar grandes amores
Quero poder começar uma história e deixá-la a meio
Começar outra que me agrade mais
Quero voltar atrás, esquecer o presente e já viver o futuro
Quero libertar-me
Então deixem-me sonhar
Permitam-me que feche os olhos
Para que a minha mente possa voar
Para que eu me consiga encontrar.




O sonho é a explosão dos súbditos na ausência do rei. Se o homem fosse um ser único, não sonharia. Mas cada um de nós é uma tribo em que somente um chefe tem os privilégios da vida iluminada. O chefe é a pessoa reconhecida pelos semelhantes, o «mim» legal da sociedade e da razão, obrigado a uma concordância fixa consigo mesmo. Só ele tem relações expressas com o mundo exterior e o único a reinar nas horas de vigília. Mas abaixo dele há um pequeno povo de cadetes expulsos, de insurrectos punidos, de hóspedes indesejáveis - exilados da zona da consciência, mas donos do subconsciente, encerrados no subterrâneo, mas prontos para a evasão, vencidos mas não mortos. Há a criança que foi renegada pelo jovem, o delinquente imobilizado pela moral e a lei, o louco que todos os dias estende armadilhas à razão raciocinadora, o poeta que a prática condenou ao silêncio, o bobo dominado pelas amarguras, o antepassado bárbaro que ainda se recorda do machado de pedra e dos festins de Tiestes. O eu quotidiano e vulgar, o respeitável, o vigilante, o vitorioso, dominou essa tribo de larvas inimigas, de irmãos renegados e moribundos. E como a alma tem o seu subsolo, escuridão palúdica encimada pela varanda iluminada da consciência, mantém encerrados lá em baixo os intempestivos e preocupantes rivais. Às vezes, conseguem emergir, no meio-dia do eu dominante, mas por breves momentos - em particular, quando o homem está só consigo mesmo, sem testemunhas, e faz e diz coisas estranhas que evitaria diante dos companheiros. Em certas ocasiões, um deles consegue derrubar para sempre o chefe legítimo, e o homem, em virtude dessa revolução triunfante, torna-se assassino, louco ou génio - por vezes santo.

Giovanni Papini, in Relatório Sobre os Homens

domingo, julho 30, 2006

A música


Esquecidas numa gaveta escura, as notas lançavam gritos mudos por estarem presas na partitura. Uma mão apaixonada as tinha desenhado na pauta mas acabara por as esquecer... Porque quando um coração se fecha, deixa de ver com os ouvidos.
Assim, reféns do papel, ansiavam que, algum dia, alguma mão libertadora lhes desse voz para poderem cantar ao mundo a sua história - a história de duas almas entrelaçadas nas malhas da paixão.
Foi então que subitamente um som se soltou... e outro... e mais outro... Todas as notas exultavam melodiosamente a força do amor. E toda a plateia presente sentiu os seus corações a serem invadidos por esse sentimento, essa força, essa paixão.
A música, por ser tão bela, conquistou novos apaixonados e as notas jamais voltaram a ficar em silêncio. A sua felicidade reflectiu-se nos que as ouviam, encantando-os com a sua melodia.

sábado, julho 29, 2006

Bagdade

Chamo-me Bagdade
Outrora cidade das mil e uma noites
Hoje cidade das mil e uma mortes
Lembro-me dos reflexos ofuscantes
Do sol a tocar no meu ouro
Do perfume a incenso e a alfazema
Das minhas casas e dos meus palácios
Do colorido barulhento e agitado
Das minhas praças e dos meus mercados
Mas agora apenas vejo sombras
E o sol só realça os escombros
Um cheiro a pó e a morte
Invadiu as minhas ruas desertas
E das minhas praças ecoam estrondos
E gritos de sanguinolento terror
Porque destruíram a minha beleza?
Porque amputaram os meus sonhos?
Porque apagaram a minha luz?
Porque me assassinaram?
Derrubada, destruída, destroçada
Pela mão de homens que não respeitam
O que outros com amor e suor edificaram
Gostaria de apelar aos bons corações
Para me ajudarem a reaver o meu encanto
Voltar de novo a vestir-me de cores e de brilhos
Porque eu apenas quero ser vida!

sexta-feira, julho 28, 2006

Luamar Vera

Linda alma minha
Unida a ti estou
Através do pensamento
Metade do meu ser
Amiga tua eu sou
Reverenciando-te com sentimento
Versos teus adoro ler
Emoções várias me fazes viver
Rir e chorar, amar e sofrer
Amiga, por tudo o que me dás, quero te agradecer!

A guerra



Opressora aquela tristeza que invade o coração

Perante a desgraça da guerra que destrói tanta nação

Crianças que choram por ver o sangue do irmão

Derramado no chão sem nenhuma razão

As bombas a destruirem casas, carros, estradas e pontes

Por causa de um ódio de que se desconhece as fontes

Sem tréguas aniquilam a beleza dos montes

São esses horrores que ao mundo quero que contes

Para que ninguém fique indiferente e de braços cruzados

E grite a todos os que estão armados

Para pararem de imediato com os atentados

Aos direitos básicos como o de sermos amados

Num mundo de respeito é onde todos queremos viver

Aprender e crescer sem ter receio do poder

Para que hoje a criança que acaba de nascer

Possa dizer: - Valeu a pena este mundo eu poder conhecer!

quinta-feira, julho 27, 2006

O encontro


Quando os meus olhos voltaram a encontrar os seus, o mundo em meu redor pareceu desaparecer. Mais uma vez ficara hipnotizada. Senti que seria esse o único olhar que eu poderia amar. Um arrepio percorreu o meu corpo e desejei o seu beijo. Queria sentir o pulsar do seu coração contra o meu peito. Queria que os seus braços envolvessem o meu corpo. Queria ouvi-lo dizer: - Sempre estive à tua espera! E eu então sorriria, pegaria na sua mão para juntos percorrermos o caminho da vida.
Foi então que ela chegou junto dele e sussurou algo ao seu ouvido. Ele olhou para ela e a beijou. Desejei tanto ser aquela mulher, a mulher que o tocara, a mulher que o cativara.
- Desculpa, nós não nos conhecemos? - perguntou uma voz um pouco trémula.
Olhei para ti. Nunca antes te tinha visto. Depois disseste: - Sempre estive à tua espera!
Tu sabias que era eu. Percebi que afinal eras tu o meu destino e respondi-te: -Obrigada por me teres encontrado!
Sorri e peguei na tua mão...

O sonho


O seu corpo estava deitado na cama. Os olhos cerrados eram a prova de que estava num sono profundo. Enquanto tudo parecia imóvel e inerte, num silêncio tranquilo, a sua mente viajava.
Viajava naquela praia de areia fina que lhe queimava os pés. Ia em direcção ao mar azul. Ao chegar à areia molhada, sentiu o seu corpo a refrescar. Uma suave brisa transportava a maresia. Entrou na água que, a pouco e pouco, envolveu o seu corpo. Deixou-se flutuar e sentiu-se livre, perdida na imensidão da beleza. Estava em paz com ela própria e com o mundo.
Subitamente, um estrondo fez estremecer a cama e quebrou aquela sensação. Ela acordara. Acordara para a realidade destruidora de sonhos. Mas, apesar do cheiro agoniante de morte que começara a invadir o ar, ela recordou-se do sonho que tinha tido e que a levara para longe da crueldade da guerra. Resolveu que ainda naquele dia teria de o realizar. Queria poder acreditar que era possível sentir paz.

quarta-feira, julho 26, 2006

Pré-esboço


Peguei na minha caneta e num pedaço de papel. Ao colocar a caneta nele, a minha mão começou a dançar.
Só depois percebi que não eram os músculos que a comandavam mas sim os meus pensamentos em catadupa.
Ao olhar para o papel, não vi palavras mas sim o retrato de um eu que desconhecia.
Não foi uma simples visão. Foi uma revelação mágica.
Foi a magia da escrita.
Escrever é um dos sistemas mais simples e mais profundos para tornarmos tudo claro dentro de nós e para transmitirmos a memória das nossas existências. E é precisamente por esse valor de memória e de conhecimento que a escrita deve ser encorajada e protegida.
O que é que fica depois de horas e horas de conversa ao telefone? À parte a factura a pagar, quase nada. É tão diferente o prazer de ter na mão uma carta, uma reflexão, a recordação de uma pessoa querida. E são tão importantes esses testemunhos, quando as pessoas queridas já não existem.

Susanna Tamaro